COM 385 ANOS DE ATRASO

dezembro 04, 2022Prof. Dr. Joceval Bitencourt

 



Não sei se o que agora falo é um elogio ou uma crítica, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Segundo Descartes, é possível dimensionar o desenvolvimento de uma sociedade pelo seu envolvimento com a Filosofia. É claro que aqui, ao Descartes falar de Filosofia, está se referindo à Filosofia como ciência, como era o tratamento dado em seu tempo. De verdade, o que ele quer dizer é: uma sociedade que não cuida do conhecimento, encontra-se condenada às trevas, ao subdesenvolvimento. Parece ser esse o nosso caso. Um completo descaso para com as grandes conquistas feitas pelo homem em seu processo civilizatório. Olhando do lado de cá, a lista do descaso, que só nos envergonha, é bem longa. Vejamos um caso, em particular. Em 1637, Descartes concluiu a sua obra: Discurso do método & Ensaios. Três são os Ensaios: A dióptrica, Os meteoros e A geometria. Cinco anos antes, 1632, Galileu publica o seu livro: Diálogo sobre dois máximos sistemas do mundo ptolomaico & copernicano. É o anoitecer do mundo antigo, e, ao mesmo tempo, o amanhecer de um novo Mundo: o Mundo moderno. Dois livros revolucionários, que apresentam o uma nova leitura do mundo, tomando-o, não mais como um grande espetáculo da criação divina, mais como uma grande máquina, extensa e infinita. A publicação do livro de Galileu o levou ao tribunal da “Santa Inquisição” que, depois de queimar suas obras em praça pública, o fará abjurar às verdades de sua ciência, concluindo com a sua condenação à prisão domiciliar pelo resto de sua vida. Descartes reconhece que os fundamentos de sua ciência são os mesmos que se encontra na ciência de Galileu. “E confesso que se isso é falso (a ciência de Galileu), todos os fundamentos da minha filosofia também o são pois se demonstram por eles...”. Se, por essas ideias, a Inquisição alcançou Galileu, ele poderá ser a próxima vítima. É preciso evitar que a Igreja lance o seu olhar sobre o que ele está pensando e escrevendo. Primeiro, não se expõe, encontra nas sombras o lugar segura para habitar; segundo, publica só a primeira parte do Discurso do método, sem a companhia dos três ensaios, nos quais, de forma direta, apresenta as teses de sua ciência. O seu mundo, descrito nos seus três Ensaios, não verá o Mundo, antes de sua morte. Apesar de ter publicado o Discurso, sem a companhia dos três Ensaios, sua obra obteve um grande sucesso, elevando-o à categoria de um autor Pop. Descartes trouxe o Mundo ao limite do humano. Libertou o homem das crenças, das superstições, tornando-o, ele mesmo, o senhor do mundo, o ser a quem cabe a responsabilidade de fazer a verdade aparecer no mundo. Aqui, no Brasil, que parece não fazer parte do mundo, só 385 anos depois, a obra completa será traduzida. É de entristecer saber que uma obra tão importante para o mundo, modelo de referência para a transição entre o mundo antigo e o mundo moderno, tenha permanecido inacessível ao povo dessa aldeia por tanto tempo. Apresar desse perverso pecado, em 2018, o professor Rubén Mariconda, coordenando uma equipe de tradutores: César Augusto Battisti, Érico Andrade, Guilherme Rodrigues, Marisa Donatelli, Pablo Mariconda, Paulo Tadeu, traduz e publica, através da editora da UNESP, a obra completa: Discurso do método & Ensaios. Bem, como diz o ditado popular, “antes tarde do que nunca”. Parabéns pela iniciativa. Um dia, quem sabe, o Brasil se torna uma nação esclarecida, capaz de se associar e compartilhar, com o seu povo, desde à nascente, as conquistas da civilização.

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