Artigos Descartes

O contexto em que Descartes escreve

junho 07, 2018Prof. Dr. Joceval Bitrencourt


O contexto em que Descartes escreve é um contexto onde se vivia uma revolução nas estruturas fundamentais do conhecimento e de crenças fulcrais da época, em especial na chamada Revolução Copernicana, que alterou profundamente a compreensão na cosmologia que vigia desde Aristóteles. Na concepção do filósofo grego, a terra seria o centro da galáxia e as demais órbitas celestes girariam em torno dela. Copérnico propõe que não a terra, mas sim o sol seria o centro da galáxia em torno do qual os corpos celestes – incluindo a terra – girariam. No entanto, à sua época ele não possuía suficientes evidências para sustentar sua teoria até que Galileu viria corroborá-lo quase um século depois. É nesse contexto de profundas mudanças em crenças tão fundamentais que escreve Descartes. A questão que ele enfrenta, portanto, é como garantir a verdade das nossas crenças dada tão ostensiva presença de equívocos naquilo que eventualmente tomamos por certo.

Assim como todo grande filósofo, Descartes também vem sendo interpretado à luz das preferências filosóficas de cada época. A influência crescente do naturalismo metafísico talvez tenha obnubilado um aspecto fundamental do projeto filosófico cartesiano. Ao refletir sobre o fundamental da filosofia cartesiana, o estudante que tenha aprendido sobre o “pai da filosofia moderna” num curso introdutório, certamente apontará a epistemologia como esse aspecto central da filosofia cartesiana. Isto é, Descartes busca responder às perguntas sobre a possibilidade do conhecimento, sua justificação, a existência do mundo externo. Mais recentemente, a imagem de Descartes como cientista vem se tornando mais popular. Os problemas sobre ilusões, sonhos, o gênio maligno são vistos como questões preliminares de um sistema científico[1].
Mas talvez os leitores neófitos de Descartes se surpreenderiam ao ler as Meditações ou o seu Discurso e encontrar ali algo completamente estranho à maior parte dos projetos filosóficos contemporâneos à exceção da produção especializada especificamente em filosofia da religião. A solução cartesiana à questão epistemológica envolve um apelo direto a Deus como fiador das nossas faculdades cognitivas. A reflexão sobre Deus e sua natureza, assim, ocupa o próprio cerne de todo seu sistema filosófico – sem Deus, não há conhecimento. Ademais, e o que soaria deveras estranho aos ouvidos contemporâneos, ele recorre a uma citação quase direta do apóstolo Paulo em sua epístola aos Colossenses (vs. 2.3): “E já me parece que descubro um caminho que nos conduzirá desta contemplação do verdadeiro Deus (no qual todos os tesouros da ciência e da sabedoria estão encerrados) ao conhecimento das outras coisas do universo.”[2] Descartes cita a Vulgata (o texto latino padrão da Bíblia) com uma sutil alteração de scientiae (conhecimento) para o plural scientiarum (ciências). Portanto, se para Paulo, Deus (em Cristo) é a misteriosa fonte de toda sabedoria; para Descartes, o conhecimento de Deus abre o caminho para “as ciências” – o verdadeiro conhecimento científico.[3]

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